Quinta-feira, Dezembro 4, 2025
Política

Crise na Saúde em Portugal: Por Que o Problema Não é Só a Falta de Médicos – A Análise da OCDE e Banco de Portugal sobre a Eficiência do SNS

A Narrativa Incompleta da Saúde em Portugal

O debate público sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é dominado por uma simplificação perigosa: “faltam médicos, faltam enfermeiros”. Embora as tensões de recursos humanos sejam reais, um conjunto de relatórios económicos recentes aponta para uma causa mais profunda para o subdesempenho do sistema: a ineficiente gestão dos recursos existentes e a insuficiente fiscalização independente do dinheiro público.

A evidência é consistente e vem de instituições de referência, desafiando a resposta política simplista: o problema não é apenas a quantidade de investimento, mas a qualidade e a forma como cada euro é gasto.

O Diagnóstico Económico: Eficiência em Queda e Governança Fragmentada

Relatórios setoriais e estudos académicos convergem para o mesmo diagnóstico, pondo o foco na gestão:

  • Redução da Eficiência Hospitalar (Banco de Portugal): Um estudo de eficiência técnica de hospitais públicos (2012-2022) documentou uma redução da eficiência média das unidades. A heterogeneidade de desempenho entre hospitais indica que existe uma margem significativa para ganhos através de melhor gestão clínica e partilha de boas práticas, provando que o problema vai além da mera carência de mão de obra.
  • Fragilidades Estruturais (OCDE): O perfil da OCDE sobre Portugal identifica problemas de eficiência e governação e sublinha que, apesar de o país gastar menos do que muitos pares europeus, a organização interna e as políticas setoriais estão aquém do potencial.
  • Controlo Fragmentado (Tribunal de Contas): As auditorias à gestão da crise pandémica revelaram que a urgência levou a procedimentos excecionais com supervisão insuficiente, resultando em riscos de má alocação ou desperdício — um sinal claro de que a falha na fiscalização compromete a eficácia do gasto.

A Tese Central: Por Que Gestão e Fiscalização Maximizam os Resultados

A melhoria dos resultados do SNS passa por corrigir as falhas de gestão e de controlo que desviam os recursos:

  • Duplicação e Desperdício: A fatia elevada de pagamentos diretos a privados (consultas, medicamentos), destacada pelo Banco de Portugal, reflete a ineficiência no acesso público e a falha na coordenação entre cuidados primários e hospitais (o setor mais caro).
  • Prioridade no Gasto de Qualidade: Instituições como o FMI e o Conselho das Finanças Públicas (CFP) reconhecem a melhoria orçamental de Portugal, mas insistem na importância de reformar a qualidade do gasto público. Utilizar fundos como o PRR deve ser aproveitado para transformar a gestão e a digitalização, e não apenas para investimentos em capacidade física.

O Caminho para a Sustentabilidade: Recomendações Prioritárias

Com base no consenso das análises económicas (OCDE, BdP, TdC), as políticas para a saúde devem ter um foco muito claro na fiscalização e na meritocracia de resultados:

  1. Remunerar o Desempenho e o Benchmarking: Criar indicadores claros de produtividade clínica e de gestão, com incentivos e remuneração baseada em resultados. A experiência de centros com melhor desempenho deve ser a regra, e não a exceção.
  2. Reforço da Auditoria e Transparência Independente: É fundamental dotar o Tribunal de Contas e outros órgãos de fiscalização de mais recursos e de maior poder. A publicação proativa de contratos e métricas é um passo não negociável para gerar confiança.
  3. Digitalização Orientada para a Eficiência: O investimento em e-saúde, telemedicina e partilha de dados deve ter metas concretas para reduzir listas de espera e otimizar processos (em linha com as sugestões da OCDE).
  4. Coordenação Integrada de Cuidados: Reforçar a articulação entre cuidados primários e hospitais é a forma mais rápida de reduzir tratamentos desnecessários e onerosos no setor hospitalar.

Conclusão: A narrativa política simples de que “só falta mão de obra” falha em resolver a crise. Enquanto não se enfrentar a ineficiência documentada, os recursos (médicos, enfermeiros e equipamentos) continuarão a ser subaproveitados. Os relatórios internacionais e nacionais convergem: o caminho mais rápido e sustentável para o SNS passa por mais gestão, mais fiscalização e mais transparência, garantindo que o dinheiro público é traduzido em melhores resultados para o utente.

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